“Brasil precisa construir pedagogia do pertencimento”, defende Daniel Munduruku

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Parte da sociedade brasileira tem resgatado o sentimento de pertencimento sobre a sua história e identidade, reconhecendo, então, a riqueza dos Brasis — resultado das reivindicações do movimento negro e indígena lá de trás. Mas como conscientizar ainda mais pessoas a valorizarem futuros plurais? Para Daniel Munduruku, escritor indígena e professor, a ancestralidade é como a teia de aranha, que com um único fio junta caminhos que geram o senso de pertencimento.

“O Brasil tem que construir a pedagogia do pertencimento com crianças e jovens pensando o país como uma grande teia que dê esse sentido. Não importa a origem. Darcy Ribeiro lembra que o Brasil é um povo novo, é a junção de todas as tradições e precisamos construir essa ancestralidade. Pertencimento traz orgulho de quem somos, não nega quem somos. É se sentir parte de uma tradição que não começa em mim, sou continuador dela para que outras pessoas continuem. Já o discurso hegemônico faz com que as crianças não gostem de ser brasileiras. Aprendemos a não gostar nem de negros e nem de indígenas. Há pessoas a todo instante buscando sua segunda nacionalidade, que nunca é indígena, porque foi embutido na nossa cabeça que o legal é ser o outro”, destacou Munduruku hoje, 16, durante o Festival LED*, evento da Globo e parceiros voltado à educação.

Trajetórias ancestrais: como o passado pode guiar futuros plurais é o título do painel do escritor, que também contou com a presença do ator Lázaro Ramos, da escritora Ana Maria Gonçalves e mediação do apresentador Luciano Huck. Lázaro contou que foi criado em casa de candomblé, em um ambiente cuja potência negra nunca foi negada. Diante disso, ele demorou para notar que o mundo vivencia não conhece (ou não quer conhecer) essas realidades. “Entendi que apresentar essa notícia [potência negra] é a missão do nosso tempo.”

Ana Maria vai na mesma linha ao constatar que seu papel é o de abrir espaço para mais pessoas diversas e que o avanço virá quando compreenderem que as pessoas são multiculturais.

Indígenas não se autodestroem

Daniel cutucou o modo de vida capitalista ao apresentar que a grande mestra dos povos indígenas é a Terra, sendo ela a detentora das respostas criativas para a leitura do mundo.

“E o povo indígena é criativo, tanto que não destrói sua própria casa, olha para o mundo sem se autodestruir. Povos indígenas estão aqui para provocar: somos filhos da Terra”, constatou Daniel Munduruku.

Inspirada na pensadora Leda Maria Martins, ancestralidade para Ana Maria aponta para o futuro, é acúmulo de experiência, vivência e também continuidade. “Não tem como pensar em futuro sem reconhecer erros do passado. Ainda somos uma sociedade nova, por exemplo, estamos discutindo abertamente o racismo há 20 anos, porque antes se negava. O racismo só foi colado no dicionário de língua portuguesa em 1982. Antes ‘não existia’, como que anulando toda uma ancestralidade cuja vivência foi pelo racismo. A discussão é nova”, analisou Ana Maria.

Entre os papeis da escola está o de trabalhar contra a ignorância e a favor do diálogo. “Que tenhamos coragem de cultivar o amor pelo saber, pelas escolas”, defendeu Lázaro Ramos.

“A escola deve levar luz onde há escuridão para as pessoas enxergarem com clareza, tolerância e respeito. Sobretudo, aceitar o outro do jeito que ele é e não do jeito que gostaríamos que ele fosse, porque sempre que jogamos sobre o outro a nossa verdade, estamos colonizando. As verdades existem em todas as culturas. Ser humano é aceitar o outro tal como ele é. Educação tem que criar espírito de generosidade. Somos todos ignorantes e precisamos estar o tempo todo abertos a aprender. A grande beleza do Brasil é nossa diversidade e a partir do momento que aceitamos isso o Brasil vira uma maravilha”, concluiu Daniel Munduruku.

REVISTA EDUCAÇÃO – Edição Agosto 2023

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